BNDES dobra crédito para indústria em 2023 e atinge pico desde 2014
O BNDES dobrou a aprovação de crédito para a indústria em 2023, em relação ao ano anterior. O volume liberado em operações diretas somou R$ 26 bilhões – o maior patamar desde 2014, mas bem abaixo do valor aprovado naquele ano, de R$ 48 bilhões.
“Os números mostram a volta do BNDES à agenda industrial. O banco é um ator chave da política de neoindustrialização, que é prioridade no governo”, diz José Luis Gordon, diretor de desenvolvimento produtivo, inovação e comércio exterior do banco.
As operações incluem projetos de expansão produtiva, de economia verde, de exportação e inovação. Porém, ele afirma que o banco ainda não tem o balanço detalhado por setor beneficiado.
A retomada do BNDES em 2023 foi comemorada pelo setor. “É uma inflexão em relação ao ciclo de 2015 a 2022. O processo de recuperação precisa prosseguir, com a captação de recursos adicionais e apoio mais sólido a setores estratégicos”, afirma Rafael Lucchesi, diretor de Desenvolvimento Industrial e Economia da CNI (Confederação Nacional da Indústria) e presidente do conselho de administração do BNDES.
“O banco teve um período muito ruim, em que reduziu dramaticamente os recursos. Isso impactou o investimento da indústria. Em 2023 houve uma recuperação, não se chegou aos níveis de 2014, mas o volume foi significativo. É um estímulo para as empresas se modernizarem”, afirma Antônio Carlos Teixeira, diretor do departamento de competitividade e tecnologia da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e professor da FGV-EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo).
Economistas e analistas ouvidos pelo Valor veem a expansão do BNDES na indústria como positiva, em especial diante da retração nos últimos anos. Porém, também são apontadas ressalvas.
Eduardo Correia, professor do Insper, observa ao menos dois riscos. O primeiro é o custo macroeconômico. “Todo aumento do crédito direcionado tem um custo, porque o setor beneficiado não sente os efeitos gerais de variação dos juros, e a política monetária perde eficácia”, diz. Outra preocupação apontada é quanto à ausência de estudos de diagnóstico para guiar uma boa alocação dos recursos. “É preciso identificar com clareza onde estão as falhas de mercado”, afirma.
A qualidade da distribuição dos recursos também é um ponto de atenção para Paulo Vicente, professor da Fundação Dom Cabral (FDC). “Em governos passados, priorizaram o desembolso a qualquer custo, uma política de campeões nacionais que não funcionou e o subsídio à taxa de juros, o que não se sustentou. Mas esse é outro governo, ainda vamos ver na prática os critérios. Não me parece que o cenário está se repetindo, não há declaração de políticas como as do passado.”
Para Correia, um fator que hoje dificulta a má alocação é que a sociedade está mais crítica. “É difícil imaginar que no contexto atual haverá uma concessão de recursos bilionária a um frigorífico, algo que é difícil de justificar.”
Na avaliação de Lauro Gonzalez, professor da FGV-EAESP, para além do papel do banco de prover linhas de longo prazo, atenuar falhas de mercado e ter atuação anticíclica em crises, é essencial que o financiamento da economia verde seja um foco central. “Seria possível amarrar critérios socioambientais ao crédito.”
Para 2024, a projeção do BNDES é manter o patamar de aprovações do ano passado, diz Gordon. “Esperamos seguir o mesmo ritmo. Se a demanda vier, vamos apoiar. É importante a queda da taxa de juros, que vai ajudar a TLP [Taxa de Longo Prazo, referência nos empréstimos do banco] a cair e podermos financiar mais.”
Correia, do Insper, avalia que será difícil retornar aos patamares anteriores a 2015, porque não há tendência de aumento nas fontes de recursos do banco, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador ou o próprio Tesouro. “Por outro lado, pode haver um aumento da demanda da indústria, pela reforma tributária ou um novo ciclo de crescimento.”
Dentre os R$ 26 bilhões aprovados pelo BNDES em 2023, as operações destinadas à inovação da indústria chegaram a R$ 3,9 bilhões, um salto em relação a 2022, quando o valor foi de R$ 1,5 bilhão. O setor é o único com taxas mais baixas, com indexador pela TR (Taxa Referencial). Apesar da alta, Vicente, da FDC, avalia que o volume ainda é baixo. “O total não dá US$ 1 bilhão. Claro que melhorou, mas é pouco.”
O setor mais contemplado na área de inovação foi transportes, com três operações diretas no valor de R$ 1,5 bilhão. Na sequência vêm os segmentos de telecomunicações, saúde e agrícola. Como as operações não foram fechadas, Gordon diz que ainda não é possível detalhar os beneficiados.
Questionado sobre mecanismos adotados para garantir a inovação dos projetos financiados, o diretor do BNDES afirma que a área sempre traz risco. “Em inovação, pode dar certo, pode dar errado, faz parte do processo de construção. Mas temos várias empresas, como WEG, Intelbras, Embraer, que são inovadoras graças a apoio do BNDES. Há falhas, mas há casos positivos”.
Teixeira também destaca que a inovação, para ser válida, não necessariamente precisa se dar na fronteira. “A inovação é algo novo que traz algo positivo, para o mundo, para o setor ou para a empresa. É o conceito da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico].”
Fonte: Aço Brasil