Indicadores sugerem queda menos drástica da economia em 2020
Três meses depois de o Brasil ser atingido pela pandemia de covid-19, as expectativas para o desempenho da economia neste ano pararam de piorar, convergindo para uma queda de 6,5%. Ainda há projeções mais pessimistas, mas a novidade é que alguns economistas começaram a falar em surpresas do lado positivo que podem aliviar um pouco a recessão.
Nesse pequeno pelotão otimista se inclui o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que disse que daqui para frente as chances de boas notícias são maiores do que de más notícias, quando anunciou na semana passada a revisão de sua previsão oficial do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, de estabilidade para retração de 6,4%.
O tom esperançoso do BC se sustenta em indicadores de alta frequência mais positivos divulgados recentemente e numa aposta de que os programas de transferência de renda do governo e de fomento de crédito farão a diferença na atividade.
Os argumentos estão longe do consenso: alguns economistas ouvidos pelo Valor dizem que o desemprego que será causado pela pandemia nos próximos meses vai provocar uma queda de renda mais forte do que os ganhos gerados pelos programas oficiais de renda e de crédito.
Em live promovida pelo Valor, o economista-chefe da Verde Asset Management, Daniel Leichsenring, afirmou que indicadores sugerem uma retomada mais rápida do que a prevista meses atrás. Ele também tem viés de alta em sua estimativa de queda de 6,5%. Na semana passada, o BTG Pactual revisou a estimativa para o PIB de 2020 de -7% para -6%.
O tom dos economistas, contudo, é permeado de cautela e senões. O maior deles é a expansão da pandemia no país, que pode afetar ainda mais a atividade, caso mais medidas de isolamento tenham que ser adotadas.
No começo da pandemia, o consenso entre os analistas econômicos era de um crescimento do PIB de 2% em 2020. Desde então, as previsões não apenas pioraram, mas se tornaram mais dispersas, numa indicação de como se tornou dura a tarefa de estimar os impactos da crise. Em fins de maio, cerca de 10% dos analistas projetavam uma recessão de 8% a 10% e cerca de 5% previam queda de dois dígitos. Mais recentemente, o grau de dispersão das projeções, medida pelo desvio padrão, caiu em um terço. Ou seja, eles parecem mais coesos numa queda de 6,5% no PIB.
“Estamos menos pessimistas no curto prazo”, afirma Lilian Ferro, economista do BTG. O banco estimava queda de 15% no PIB do segundo trimestre, na comparação com o primeiro, feito o ajuste sazonal, mas os dados de produção industrial e varejo de abril caíram menos que o esperado e indicadores mais recentes – como confiança e consumo de energia – vieram menos negativos. “A volta de maio e junho veio mais forte do que esperávamos”, diz. Por esse motivo, a expectativa para o PIB de abril a junho foi revista para queda de 9,8%.
Há, ainda, alguns analistas que fogem completamente do consenso do mercado. O economista-chefe da Panamby Capital, Eduardo Yuki, reviu nesta semana a sua projeção do PIB para uma recessão na faixa entre 4% e 4,5%. Diante de um choque muito diferente dos anteriores, dados normalmente usados para medir o pulso da economia – como vendas do comércio e produção industrial – perderam protagonismo para uma nova safra de indicadores de mais alta frequência, como dados de mobilidade do Google, consumo de energia e vendas capturadas pelas maquininhas de cartões. O Banco Central fez um mapeamento desses indicadores no seu último relatório de inflação. São eles que sugerem que, depois do fundo do poço em abril, a economia dá sinais esperançosos, ainda que nada disso amenize de forma significativa uma das recessões mais profundas da história.
Yuki afirma que o primeiro sinal de vida econômica foi dado pelo indicador In Loco, que mede a movimentação das pessoas por meio de seus celulares. “O pico do isolamento social foi no fim de março, mas no início de abril começa a diminuir de forma voluntária”, afirma. “A dúvida inicial era se as pessoas estavam apenas saindo de casa ou se esse era um indício de atividade econômica.” Os dados semanais de vendas do varejo da Cielo confirmaram que se desenhava um início de recuperação da economia. Em fins de março, o faturamento nesse indicador caiu 52%, e de lá para cá recuperou metade dessa queda. Essa tendência foi confirmada por dados tradicionais mais recentes da confiança do comércio, divulgados na semana passada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ontem, dois indicadores se somaram a eles: o índice de gerente de compras (PMI, na sigla em inglês) da indústria brasileira, que voltou a superar 50 pontos, em junho, atingindo 51,6 pontos, retornando ao terreno expansionista, e o Índice de Confiança Empresarial da FGV, que recuperou nos últimos dois meses 61% das perdas de março e abril.
Outro conjunto de dados, afirma Yuki, confirma que as pessoas não estão saindo de casa apenas para comprar, mas também para produzir. O indicador Google Mobility Report dizia que, em fins de março, 48% das pessoas deixaram de se deslocar para o trabalho. Atualmente, esse percentual é de apenas 16%. Essa tendência é confirmada, segundo Yuki, pela recuperação dos níveis de carga de energia elétrica medida pelo Operador Nacional do Sistema (ONS), depois de uma queda de 15% em relação ao mesmo período do ano passado, e pela movimentação de pedágio de caminhões nas rodovias. “Vários indicadores contam a mesma história”, afirma.
A LCA Consultores, que já tinha um cenário menos negativo, diz que os dados mais recentes reafirmam seu cenário base, de queda de 5,6%, mas pondera que os riscos impõem viés de baixa à projeção. Num relatório em que questiona qual a previsão mais realista, se a do consenso do mercado ou a do FMI, de queda de 9,1%, a consultoria A.C. Pastore & Associados, do ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore, diz que a trajetória da economia vai ser determinada pela dinâmica da pandemia e que, dada a “incompetência” do país no enfrentamento da crise, corre-se o risco de uma recessão maior por causa do baque sem precedentes no mercado de trabalho. “A força motriz da recuperação vinha sendo o consumo das famílias, mas o dano imposto pela atual recessão ao mercado de trabalho nos leva a uma recessão mais profunda e mais longa. Por isso mantivemos para 2020 a projeção de queda de 7,5% do PIB”.
Os erros na reação à pandemia – como a falta de coordenação no isolamento de Estados e municípios – resultaram na extensão das transferências de renda e no aumento do déficit primário, que terá seus reflexos negativos em 2021, ao elevar a incerteza quanto à sustentabilidade da dívida pública. É uma avaliação partilhada por José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, para quem o cenário é mais negativo para o PIB e para as contas públicas. A instituição prevê queda de 7,4% no PIB em 2020 e estabilidade em 2021. “O fiscal vai atrapalhar bastante porque é difícil enxergar um cenário em que a dívida não chegue perto de 100% do PIB”.