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Siderurgia retoma investimentos após recorde de demanda

A indústria do aço no Brasil, nona maior do mundo, respira mais aliviada a partir deste semestre, com a demanda no maior patamar em oito anos. Tanto que empresas já estão anunciando investimentos em expansão e religando fábricas que estavam paradas desde 2014. Os desarranjos ocorridos devido à pandemia de covid-19, que levaram à paralisação de fornos, altos-fornos e linhas de produtos, parecem superados. “O fornecimento está normalizado, com as siderúrgicas produzindo em ritmo superior àquele verificado no período anterior ao início da pandemia. A utilização da capacidade instalada do setor está em 73,5%”, afirma Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil, que reúne as fabricantes no país.

Segundo o executivo, o setor prevê um novo ciclo de investimentos de US$ 8 bilhões, de 2021 a 2025, para atender a expansão do consumo no país. De 2008 a 2020, informa, o montante aplicado somou US$ 28,2 bilhões.

A produção de aço bruto neste ano será a maior da história; o consumo aparente e as vendas internas, desde 2013

O grupo Gerdau acaba de anunciar R$ 6 bilhões nas usinas de Minas Gerais, após ter informado a reativação de uma unidade no Paraná e outra de aços especiais em São Paulo. A Usiminas estuda instalar uma linha de aço galvanizado em Cubatão (SP). O grupo mexicano Simec planeja dobrar a siderúrgica de vergalhão e fio-máquina em Pindamonhangaba (SP) e está ampliando a de Cariacica (ES) – total de US$ 350 milhões. A ArcelorMittal retomou em março um projeto de expansão em Santa Catarina de US$ 350 milhões e vai pôr em operação, em janeiro, um laminador 3 de aço longo em João Monlevade (MG), pronto desde 2015, mas parado por falta de mercado.

Lopes lembrou que, desde o auge de consumo, em 2013, o recuo nas vendas internas atingiu 23% até 2019 devido à crise econômica. “Esperava-se retomada em 2020, mais aí veio a pandemia e a demanda sumiu. Felizmente, a partir de maio o consumo voltou vigorosamente”.

“Estamos confiantes com a economia porque a vacinação aumentou e as demandas no mercado interno estão firmes”

A seguir, íntegra da entrevista, em que Lopes fala sobre importação de aço, excesso de capacidade mundial, impacto do boom das commodities nos custos e a importância da reforma tributária.

Valor: Passado mais de um ano de pandemia, a indústria do aço no país já superou o problema de abastecimento da cadeia de consumo?

Marco Polo de Mello Lopes: Em abril do ano passado, no ápice da crise de demanda ocasionada pelo necessário isolamento social no enfrentamento da pandemia, o setor de aço chegou a operar com 45% de sua capacidade instalada. Os pedidos de produtos siderúrgicos pela construção civil, máquinas e equipamentos e automotivo tiveram queda acentuada naquele momento. Os três setores representam 82,1% do consumo no Brasil. Felizmente, a partir de maio de 2020 houve vigorosa retomada da demanda e, atualmente, o setor opera com 73,5% da capacidade instalada. O fornecimento está normalizado, com as siderúrgicas produzindo em ritmo superior àquele verificado no período anterior ao início da covid-19 no país.

Valor: Como estão a produção, as vendas no mercado interno e consumo aparente de aço no país?

Lopes: O primeiro semestre foi positivo para o setor. A produção expandiu 24% frente ao apurado no mesmo período de 2020. As vendas internas atingiram 12,1 milhões de toneladas, com alta de 43,9%. Os números mostram um mercado plenamente abastecido, com consumo aparente de 14 milhões de toneladas em seis meses – isso mostra alta de 48,9% sobre o mesmo semestre do ano passado.

Valor: A indústria revisou, para cima, os números para 2021. Qual foi o motivo dessa decisão?

Lopes: A produção de aço deve crescer 14% (35,8 milhões de toneladas), enquanto as vendas devem subir 18,5% (23,1 milhões) e o consumo aparente, 24,1%, com 26,6 milhões de toneladas. O forte crescimento projetado para vendas internas, somado às expectativas de investimentos em infraestrutura, indica trajetória de recuperação. A produção de aço bruto será a maior da história e consumo aparente e venda interna, desde 2013.

Valor: A construção e o setor de equipamentos ainda reclamam da falta de aço e de preços elevados.

Lopes: A indústria brasileira do aço está atendendo seus clientes em volumes acima dos verificados antes da pandemia, quando não havia qualquer reclamação referente a abastecimento ou preço. O desequilíbrio que ocorreu na cadeia como um todo devido à forte retomada da demanda, junto com a reposição dos estoques e até mesmo a criação de estoques especulativos ou defensivos contra a volatilidade do mercado, já foi equacionado. Se ainda existe algum problema no mercado, ele é pontual.

Valor: Por que os preços do aço subiram tanto no último ano?

Lopes: A volatilidade nos preços foi provocada pelo boom das commodities no mundo. Quase todos os insumos e matérias primas do setor tiveram elevação, causando forte impacto nos custos de produção da indústria do aço. Minério de ferro e sucata, matérias-primas estratégicas, por exemplo, tiveram seus preços elevados de janeiro de 2020 a junho de 2021 em 172,7% e 157,7%, respectivamente. Esse fenômeno ocorreu no mundo inteiro. No Brasil não foi diferente.

Valor: O preço do vergalhão é apontado como o de maior peso na cesta de materiais da construção…

Lopes: Essa tem sido a narrativa de alguns representantes da construção civil, mas, na verdade, o aço é o 7º maior item no custo do setor, participando com apenas 5% no valor de venda do imóvel, conforme dados de empresas e entidades, entre elas o Sinduscon/SP. Ao contrário do que se diz, que o preço do aço estaria impedindo a expansão do setor, a realidade é bem diferente. Os lançamentos de imóveis cresceram 173,9% na região da Grande São Paulo de janeiro a junho sobre mesmo período de 2020, e as vendas, 64,4%. O setor teve recorde histórico de criação de empregos em um ano e o financiamento imobiliário subiu 160,1% no primeiro semestre de 2021.

Valor: Siderúrgicas foram acusadas de desligar altos-fornos e laminadores para especular preços?

Lopes: Todos os equipamentos paralisados no início da pandemia por absoluta falta de demanda retornaram tão logo houve a volta dos pedidos. Com a maior demanda local, as empresas reduziram drasticamente as exportações, priorizando vendas locais. Em junho de 2020, foram maiores do que em janeiro daquele ano, antes da pandemia. Não faz sentido essa alegação do CBIC [Câmara Brasileira da Indústria da Construção], que em setembro fez notificação à Secretaria da Advocacia da Concorrência do Ministério da Economia, alegando plano de subir preços. Não correspondia à realidade.

Valor: Como o Aço Brasil vê o pleito para reduzir alíquotas de importação para equilibrar oferta?

Lopes: Descabida. As importações estão sendo realizadas normalmente, refletindo as condições de livre mercado. No primeiro semestre, entraram mais de 1,9 milhão de toneladas de produtos laminados. Não existe qualquer excepcionalidade no mercado que justifique uma decisão extrema de reduzir as alíquotas para o aço. A CBIC divulgou amplamente a chegada, no início de julho, de 20 mil toneladas de vergalhões, importados em parceria com uma cooperativa, o que comprova a viabilidade da importação sem a necessidade de medidas artificiais. Os preços, de fato, subiram, mas causados pelo aumento dos preços das principais matérias-primas e insumos para a fabricação do aço.

Valor: As siderúrgicas temem o aumento das importações, que cresceram muito, apesar do dólar?

Lopes: A apreciação do dólar não ocorreu apenas no Brasil, mas sim de forma mais intensa em países tradicionais exportadores de aço. Temos que considerar também o brutal excesso de capacidade instalada de produção de aço no mundo, acima de 560 milhões de toneladas, que faz com que o mercado global viva uma guerra com práticas predatórias e escalada protecionista muito grande. Mudanças abruptas e sem justificativa nas políticas comerciais brasileiras podem, no entanto, nos tornar destino de desvios de comércio principalmente considerando que vários países já adotaram restrições às importações para proteger seus mercados.

Valor: O setor quer salvaguardas para barrar aço vindo da China e Turquia, com elevação de tarifas?

Lopes: Não, apenas defendemos que sejam seguidas as regras de defesa comercial preconizadas pela OMC [Organização Mundial de Comércio] e que processos aprovados contra práticas desleais de comércio após estudos profundos realizados pelo governo não sejam alterados, como já ocorreu, usando-se o mecanismo de “interesse público” que, no nosso entendimento, acabou por beneficiar interesses privados de continuar a importar aço a preços aviltados.

Valor: O consumo per capita de aço no Brasil patina em 100 quilos por habitante ao ano há décadas.

Lopes: PIB e consumo de aço andam juntos. São indissociáveis. A manutenção do consumo per capita de aço no mesmo nível há anos, evidencia que o país tem andado de lado nas últimas décadas. Entendemos que o baixo investimento dos vários governos em infraestrutura é uma das razões pelas quais o país não teve um crescimento econômico sustentado, ao contrário da China, com alto grau de investimento em infraestrutura. Lá, o consumo per capita saiu de 32 quilos por habitante, em 1980, para 691 quilos/ano em 2020. A média mundial foi de 128 para 227.

Valor: O setor tem ido a Brasília e levado pleitos ao governo federal.

Lopes: A indústria brasileira do aço defende e atua para a retomada do crescimento econômico de forma sustentada, a recuperação da competitividade sistêmica da indústria e uma abertura comercial que seja feita em sintonia com a redução do Custo Brasil. Nessa agenda temos trabalhado junto com a CNI, as entidades que compõem a Coalizão Indústria, o governo e o Congresso Nacional. São itens prioritários a reforma tributária e a redução do Custo Brasil.

Valor: Os empresários da siderurgia estão confiantes no desempenho da economia neste ano?

Lopes: Quando revisamos a previsão de crescimento do consumo aparente, de 2021 sobre 2020, de 5,8% para 15% e, agora, para 24,1% é porque estamos constatando a firmeza do mercado. O aço é um indicador antecedente e, como tal, sinaliza o que vem pela frente. Estamos confiantes, apesar da polarização política já contaminada pelo processo sucessório, porque o ritmo de vacinação felizmente aumentou, as demandas no mercado interno estão firmes e governo e legislativo estão empenhados em avançar, apesar das dificuldades, com a reforma tributária. E se avalia a revisão para cima do PIB. O indicador de confiança do setor do aço (ICIA) aponta otimismo dos empresários em relação à economia nos próximos seis meses.

Valor: Com que indicadores econômicos o setor trabalha em 2021?

Lopes: Não existe uma unanimidade em relação a essas previsões, mas, de maneira geral, o setor acompanha as previsões de mercado – dólar de R$ 5,10, inflação de 6 % e PIB acima de 5%.

Valor: Quais os principais entraves para a economia brasileira e a indústria de transformação?

Lopes: No momento, o grande desafio é o avanço da reforma tributária devido aos variados interesses que existem no país. Para a indústria, é extremamente crucial que se avance na aprovação de uma reforma ampla que efetivamente acabe com a cumulatividade dos impostos, desonere investimentos e traga justiça através do equilíbrio da carga tributária intersetorial. Sua aprovação é prioritária.

Fonte: Aço Brasil

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